Recentemente tive o prazer de ler "Castelo de Areia", quadrinho escrito por Pierre Oscar Lévy e com arte de Frederik Peeters (lançado no Brasil pela editora Tordesilhas). Sem dar spoiler, falarei brevemente sobre do que se trata a história: Sem se conhecerem, duas famílias, um casal e um misterioso homem coincidentemente passam a manhã em uma praia isolada. Enquanto as relações cotidianas se desenvolvem sem maiores surpresas, uma das crianças encontra no mar o cadáver de uma mulher. O espanto causado pela descoberta é ofuscado pela estranheza da situação percebida por todos: o tempo ali passa de maneira acelerada.
Ao chegar a esse ponto, logo nas primeiras páginas, já notei o impacto que a passagem acelerada do tempo iria causar aos desafortunados personagens. Nesse momento, parei a leitura e percebi a grandiosidade da obra e a genialidade do autor.
Os personagens, a praia, o castelo de areia e a vertiginosa passagem do tempo formam uma metáfora interessante sobre a humanidade. Cada um de nós, construindo seus castelos de areia que o tempo irá velozmente destruir, seja pelo capricho do vento, o pisotear descuidado de alguém ou pela ferocidade das infinitas ondas.
Como o castelo de areia estamos aqui, agora. Depois, não mais. A natureza fica. Nós, não. Se o tempo passasse de forma tão acelerada assim, o que eu faria? O que você faria?
Pensei que na verdade, o tempo está sim passando de forma muito acelerada, e afinal, o que estou fazendo dele e da minha vida? Em termos de escala cósmica, nossas vidas seriam menos que um suspiro, um acender e apagar de luzes, antes do fim, que fatalmente virá. A praia fica, nós não. E então?
Os treze personagens concebidos pelo autor dão a impressão de polos ideológicos que representam a humanidade. Temos o médico rico e arrogante (um tanto xenófobo, a meu ver), o escritor sonhador, o pai com preocupações ecológicas, a filha adolescente rebelde, uma idosa doente, o magrebino perseguido. Uma seleção bem acurada de tipos interessantes. O leitor fica com a sensação de que já viu certamente um deles em algum lugar.
Um dos personagens conta uma lenda bem interessante dentro da história, sobre a morte de um rei, o que acrescenta mais camadas de reflexões à obra.
O quadrinho tem uma bela arte encorpada em nanquim e sua leitura é bem fluida e agradável. As questões suscitadas pela obra vão certamente mexer com o leitor. Fiquei tão maravilhado que, ao descobrir que o quadrinho foi adaptado para os cinemas pelo diretor M. Night Shyamalan, com o nome Tempo, tive que assisti-lo quase que de imediato.
Então, vou falar um pouco sobre o filme. Gosto muito desse diretor, que teve ótimos momentos com "O Sexto Sentido" e "Sinais". Tempo é uma produção de 2021, classificado nos gêneros Terror/Thriller, com duração de 1h e 48 min.
Capa do filme: Tempo (OLD)
Universal Pictures Brasil
O filme parte da obra de Lévy e Peeters como referência, mas como toda adaptação, segue um curso bem diferente do original, portanto você poderá apreciar as duas obras sem problemas, são mensagens semelhantes mas com propostas distintas.
Senti que o filme acerta em cheio na sensação de angústia e impotência durante a maior parte de sua duração. No entanto, da metade para o fim, Shyamalan tentou trazer explicações para a praia, para o tempo e o que havia ali de forma muito literal, o que não me agradou tanto. O quadrinho deixa várias questões em aberto propositalmente para que o leitor tire suas próprias conclusões. Shayamalan não dá esse espaço para o espectador. Entendo que o "tempo-filme" e o "tempo-leitura" são diferentes (juro que não estou fazendo trocadilho com o título), mas eu gostaria que o filme tivesse ido por outros caminhos que levassem a reflexões existenciais mais profundas, como no quadrinho.
Ler o quadrinho certamente influenciou em minha análise do filme, alguém que não tenha lido Castelo de Areia poderá gostar muito mais do filme. Inclusive, a escritora Rosa Scarlett, minha esposa, assistiu comigo e teve uma impressão muito positiva. O título do filme a atraiu porque a temática lhe agrada. Ela gosta de pensar que o tempo é algo relativo, às vezes rápido, às vezes lento. O que ela mais gostou foi sobre a importância de entender os sinais que a vida nos dá. Essa percepção nos possibilita compreender melhor as situações e tomar decisões mais acertadas.
Se eu tivesse que optar por apenas um deles, ficaria obviamente com o quadrinho, mas o filme traz uma experiência bem interessante dentro da temática. Vale conhecer ambos, se possível. O bom é que você, leitor, tem possibilidade de escolha, enquanto ainda há tempo e o castelo de areia não desapareceu.
Por: Rodrigo Monsores.
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